sábado, 18 de outubro de 2008

Um "Ser Decente" ainda num Portugal de hoje

António Ramalho Eanes, o “anti-devorista”

por Paulo Gaião
2008-09-19 01:20

Ao longo da história portuguesa, muitos heróis fizeram-se pagar em dinheiro pelos serviços em prol da liberdade, não se importando com a questão ética e com o empobrecimento dos cofres públicos. Eanes não.
A recusa de Ramalho Eanes em receber uma indemnização de mais de um milhão de euros por parte do Estado é uma matéria que, num país com uma comunicação social mais independente e sensibilizada para a crise não só económica como moral em que o país se encontra há muitos anos, merecia a entrada de um telejornal.
A notícia soube-se no sábado.
Em vez de Eanes, os telejornais abriram com Ronaldo no sábado e com Madonna no domingo, sinais da voracidade em relação ao dinheiro, que está na origem da decadência das sociedades modernas, como bem recordou Bento XVI em França, no passado fim-de-semana, e da mediocridade dos tempos, em que são os futebolistas e as estrelas rock que têm génio, como já observava Robert Musil nos anos 30 em relação aos cavalos e, curiosamente, já em relação às estrelas da bola, anunciando o esmagamento da cultura e dos espíritos superiores.
A história conta-se rapidamente.
Em virtude de um decreto-lei de 1984, feito no tempo de um governo de Mário Soares, ao que se diz elaborado com propósitos políticos revanchistas, os presidentes da República deixavam de poder acumular a reforma respectiva com quaisquer outras reformas ou pensões do Estado.
A lei pareceu feita à medida de Eanes, o único presidente eleito desde 1976 e não com intuitos de moralização pública. Eanes, apesar de bem perceber que a lei era feita à sua medida, dois anos antes de abandonar o Palácio de Belém e não se poder recandidatar, promulgou-a, o que mostra uma elevação de espírito absolutamente ímpar e uma abnegação patriótica única.
Cavaco Silva, quando chegou há dois anos a Belém, levou esta questão antiga para resolver. O actual Presidente da República pode ter muitos defeitos mas rege-se por padrões éticos e morais que são muito semelhantes aos de Eanes. Cavaco não descansou enquanto não levou o governo a rever esta injustiça em relação a Eanes. Habituado a ver muitos a serem compensados pecuniariamente sem motivo ou com razões forçadas, Cavaco deve ter achado que com Eanes tinha de se ressarcir uma situação única de injustiça, sendo a única via a patrimonial. Enviados do próprio governo terão falado com a família Eanes em privado. A ideia do executivo era não só alterar a lei, como fazê-lo retroactivamente, beneficiando Eanes e reparando uma injustiça.
Porém, Eanes, recusou a indemnização, num valor que, com os juros elevados, lhe daria mais do que uma reforma de Presidente da República.
Num país onde, ao longo de muitos momentos da história portuguesa, até os heróis se aproveitaram desta condição para terem títulos, empregos, indemnizações, Ramalho Eanes é um exemplo único que, quando a história pousar, lá para o final do século XXI, princípios do século XXII, e os princípios mais belos da civilização humana renascerem, há-de ser admirado pela sua rectidão e patriotismo.

http://www.semanario.pt/noticia.php?ID=4382
"Um patriota deve sempre estar pronto para defender seu país contra seu governo"
--Edward Abbey (1927-1989), escritor e ambientalista americano.

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